Estes poemas que chegam
Do meio da escuridão
De que ficamos incertos
Se têm autor ou não
Poemas às vezes perto
Da nossa própria razão
Que nos podem fazer ver
O dentro da nossa morte
As forças fora de nós
E a matéria da voz
Fabricada no mais fundo
De outro silêncio do mundo
Que serão eles senão
Uma imensidão de voz
Que vem na terra calada
Do lado da solidão
Estes poemas que avançam
No meio da escuridão
Até não serem mais nada
Que lápis, papel e mão
E esta tremenda atenção
Este nada
Uma cegueira que apaga
A luz por trás de outra mão
Tudo o que acende e me apaga
Alumiação de mais nada
Que a mão parada
Alumiação então
De que esta mão me conduz
Por descaminhos de luz
Ao centro da escuridão
Que é fácil a rima em Ão
Difícil é ver-se a luz
Rima ou não rima com a mão.
Estos poemas que llegan
De en medio de la oscuridad
De los que quedamos inseguros
Si tienen autor o no,
Poemas a veces cerca
De nuestra propia razón
Que nos puede hacer ver
Dentro de nuestra muerte.
Las fuerzas fuera de nosotros
Y la materia de la voz
Fabricada en lo más profundo
De otro silencio del mundo,
¿Qué serán ellos sino
Una inmensidad de voz
Que vienen de la tierra callada
Del lado de la soledad?
Estos poemas que avanzan
En medio de la oscuridad
Hasta no ser más nada
Que lápiz, papel y mano,
Y esta tremenda atención.
Esta nada,
Una ceguera que apaga
La luz por detrás de la otra mano,
Todo lo que enciende y me apaga,
Iluminación de más nada
Que la mano parada,
Iluminación entonces
De que esta mano me conduce
Por desvíos de la luz
Al centro de la oscuridad.
Que es fácil la rima en -ón,
Difícil es verse la luz,
Rima o no rima con la mano.
escrever poemas não é boa maneira de atordoar os
tempos do verbo,
não é o mesmo que meter a cabeça num buraco abissínio,
nem perder algures uma perna
e lembrar-me depois de perder ainda a outra:
ninguém ganha assim uma barra de ouro,
ninguém glorifica o corpo queimando-o com barras de ouro,
ninguém transforma assim uma chaga a beleza humana,
tórax e membros e a cabeça por entre a espuma:
e como só de pensá-lo o corpo avança!
escrever, deixar de escrever,
escrever ou não escrever não é acabar assim tão depressa
quanto se pensava
um poema ou dois ou cem não é nunca até ao fim,
escrever poemas não é apenas vou ali e já volto à morte do
costume:
colinas tão próximas como se guardassem os nossos próprios
olhos,
e logo depois leva-as o vento para adjectivos longínquos,
tudo tão prodigioso que se não entende nada:
uma rosa é uma rosa é uma rosa – disse ela em inglês
(há quantos anos li isso!)
(há quantos anos fiquei bêbedo desse talhão de roseiras!)
a rose is a rose is a rose et coetera
– mudou-me a vida?
oh faminta ciência da paciência!
coisas bem menores mudaram para sempre a minha vida,
e então porque não a mudaria uma rosa compactamente
múltipla?
morrer por uma rosa é que fia mais fino:
que fabuloso fio em que roca e em que fuso,
que segredo do mundo
escribir poemas no es una buena manera de aturdir
los tiempos del verbo,
no es lo mismo que meter la cabeza en un agujero abisinio,
ni perder por ahí una pierna
y luego acordarme de perder aún la otra:
nadie gana así un lingote de oro,
nadie glorifica el cuerpo quemándolo con lingotes de oro,
nadie transforma así una llaga en belleza humana,
tórax y miembros y la cabeza entre la espuma:
¡y cómo tan solo con pensarlo el cuerpo avanza!
escribir, dejar de escribir,
escribir o no escribir no es acabar tan deprisa
como se pensaba
un poema o dos o cien no es nunca hasta el fin,
escribir poemas no es apenas un “voy y vuelvo” a la muerte
de costumbre:
colinas tan próximas como si guardaran nuestros propios
ojos,
y luego se las lleva el viento hacia adjetivos lejanos,
todo tan prodigioso que no se entiende nada:
una rosa es una rosa es una rosa – dijo ella en inglés
(¡cuántos años hace que leí eso!)
(¡cuántos años hace que me embriagué con ese cantero de rosales!)
a rose is a rose is a rose etcétera
– ¿me cambió la vida?
¡oh hambrienta ciencia de la paciencia!
cosas mucho menores cambiaron para siempre mi vida,
¿y entonces por qué no la cambiaría una rosa compactamente
múltiple?
morir por una rosa, eso sí que es hilar más fino:
qué fabuloso hilo en qué rueca y en qué huso,
qué secreto del mundo
em boa verdade houve tempo em que tive uma ou duas artes poéticas,
agora não tenho nada:
sento-me, abro um caderno, pego numa esferográfica
e traço meia dúzia de linhas:
as vezes apenas duas ou três linhas;
outras, vinte ou trinta:
houve momentos em que fui apanhado neste jogo e cheguei
a encher umas quantas páginas do caderno
aconteceu também por vezes que o papel pareceu
estremecer,
mas o mundo, não: nunca senti que o mundo estremecesse
sob as minhas palavras escritas,
o que já senti, e é de facto um pouco estranho, foi isto:
enquanto escrevia, o mundo parecia deslocar-se,
e quando eu chegava ao fim das linhas escritas,
sabia que estava tudo feito,
sentia que deveria morrer
mas, como se vê, nunca o mais simples atingiu em mim a
sua própria profundidade
en verdad hubo un tiempo en que tuve una o dos artes poéticas,
ahora no tengo nada:
me siento, abro un cuaderno, tomo un bolígrafo
y trazo media docena de líneas:
a veces apenas dos o tres líneas;
otras, veinte o treinta:
hubo momentos en que me atrapó este juego y llegué
a llenar unas cuantas páginas del cuaderno
sucedió también, a veces, que el papel pareció
estremecerse,
pero el mundo, no: nunca sentí que el mundo se estremeciera
bajo mis palabras escritas,
lo que sí sentí, y es de hecho un poco extraño, fue esto:
mientras escribía, el mundo parecía desplazarse,
y cuando llegaba al final de las líneas escritas,
sabía que todo estaba hecho,
sentía que debería morir
pero, como se ve, nunca lo más simple alcanzó en mí
su propia profundidad
Herberto Helder
Poemas Canhotos